A multiplicação das suítes

Num país em que o saneamento básico ainda é assunto, vemos a multiplicação das suítes. Basta uma verificação nos anúncios. São apartamentos de 2,3,4 ou mais suítes espalhadas pelas cidades brasileiras. Tem para todos os gostos; faltam bolsos. Crescem os banheiros, a metragem, o preço.

As suítes se converteram em uma metonímia do próprio imóvel: “Moro em um 3 suítes”, diz o feliz proprietário e não mais em “em um simples 3 quartos”. Daqui a pouco se perguntará ao corretor, como se a suíte fosse um item básico antes da compra: “Mas, afinal, quantas suítes tem esse apartamento?” Chegará também um dia, devemos acreditar, que haverá então banheiros para todos, já que nada é melhor investimento social que saneamento básico tornado universal.

Mas voltemos às suítes. Elas são parte do luxo dos imóveis de alto padrão, oferecendo um banheiro para cada quarto. Nem sempre foi assim; e era comum, em um passado relativamente recente, comprar imóveis grandes, bem localizados com, digamos, “apenas” 1 suíte, a do casal. Ou às vezes nem isso; apenas um banheiro para todos. E recuando mais ainda no tempo, em Versalhes, no palácio que foi o paradigma do luxo aristocrático, havia algumas centenas de quartos – nenhum deles com banheiro. Nem o do Rei Sol. Podemos hoje ter menos luxo, mas temos melhores tronos. Noblesse oblige.

O que explica isso são mudanças de comportamento e maior valorização dos usos do banheiro. Há uma crescente de hábitos de cuidados pessoais cada vez mais amplos em todos os estratos sociais. Em nossas pesquisas, cada vez mais o luxo em uma casa vem sendo percebido como tendo, entre outras coisas, bons banheiros para a família. Como se esses espaços íntimos fossem um local de recuperação das fainas do cotidiano. O local do relaxamento na intimidade.

Essa tendência não trata apenas de mudanças na quantidade e no tamanho das suítes, mas também e principalmente na qualidade delas. Não basta ser suíte - é preciso ser Master. As master suítes então estão vindo maiores, com cada vez mais conforto e sofisticação, com design assinado, com materiais de acabamento valorizados, e, não me pergunte como, com tecnologia.

Além de uma nova divisão do espaço: como já vem sendo algo comum, suítes com duas cubas, dois boxes, dois closets, separando os usos de um casal. A ideia é que se pode morar juntos, mas desde que com banheiros separados. A julgar pelo que se vê, se diria que nenhum casamento sobrevive à passagem do cônjuge pelo banheiro. Para alguém que acordou de mau humor, encontrar uma toalha molhada no chão e o que mais for na pia e box, não é um bom início de dia. Dizendo de outra forma, agora a nova onda é um casal unido pelo afeto, mas separado por duas suítes, ou uma suíte dupla.

Mas a suíte é também não só luxo para privilegiados, mas upgrade de moradia para todos. De fato, quando perguntamos para compradores de um primeiro imóvel, quase sempre econômico, em vias de procurar um novo imóvel, sempre aparece a suíte como um item de desejo. E não estamos falando de imóveis de luxo, mas de um imóvel melhor tão somente. Depois de anos dividindo um único banheiro, é compreensível que uma família busque por esse conforto representado pela maior privacidade e tempo que mais um banheiro e suíte podem proporcionar.

Um espírito crítico poderá dizer que há talvez um excesso de suítes, apartamentos muito caros, e que talvez fiquem sem compradores, pois ninguém precisa de tantos banheiros assim, já que as famílias estão cada vez menores. Pode ser. Até lá os clientes vão continuar procurando por mais suítes, como um dia já procuraram pela varanda gourmet. E também, esperemos, o tema saneamento básico deixará de ser assunto, porque todos teremos acesso a bons banheiros. Não é luxo; é apenas a vida. Já multiplicamos as suítes. Agora é hora de melhorar sua distribuição.

Marcos Kahtalian é Sócio Fundador da Brain Inteligência Estratégica

*Este artigo também foi publicado no site da Haus, caderno de arquitetura, decoração e designer da Gazeta do Povo.