Atualizado por último em junho de 2022
Fundador e coordenador do Movimento Reação Urbana.
No artigo anterior, A Política Urbana e o Mercado Imobiliário, vimos que a Constituição Federal (BRASIL, 1988) estabeleceu que a Política de Desenvolvimento Urbano é tarefa a ser executada pela Administração Pública municipal, conforme diretrizes gerais estabelecidas e expressas no Plano Diretor, e que o Estatuto da Cidade – Lei nº 10.257 (BRASIL, 2001) – regulamentou as diretrizes da Política Urbana brasileira.
Foi nesta época, a partir de 2001, que muito municípios brasileiros tiveram o primeiro contato com o instrumento Outorga Onerosa do Direito de Construir e de Alteração de Uso, classificado como instituto jurídico e político, pelo art. 4° do Estatuto da Cidade (BRASIL, 2001). Essa denominação extensa, mas esclarecedora (do que se pode fazer com esse instrumento) veio substituir o que já conhecíamos como Solo Criado, um instrumento de planejamento e gestão territorial urbana que surgiu na década de 1970, num contexto de desordenada e acelerada ocupação do solo e consequente desequilíbrio na infraestrutura urbana nas cidades europeias.
Para entender os propósitos desse instrumento, cabe uma análise das terminologias que são utilizadas para denominá-lo. Por outorga devemos entender (um consentimento); por onerosa (dispendioso), por direito (dentro das normas legais), assim sendo, por analogia, podemos entender que este instrumento tem por finalidade, dar permissão para quem deseja construir novas edificações ou fazer alteração de uso de edificações existentes mediante um pagamento.
Mas qual a relação desse instrumento com o Mercado Imobiliário? Para responder esta questão, precisamos compreender um pouco como os municípios brasileiros fazem uso desta ferramenta. Cada Município tem uma forma distinta de operacionalizá-lo. Entretanto, uma característica comum consiste em prever a sua aplicação em zonas urbanas que possam ser adensadas em virtude da oferta de infraestrutura urbana, equipamentos e espaços públicos qualificados que, por terem estas características, interessem ao Mercado Imobiliário explorar. E para que possam fazê-lo, “acima” dos parâmetros urbanísticos básicos (coeficiente de aproveitamento, pavimentos extra, novos usos) estabelecidos pelo Plano Diretor para aquele zoneamento, deverão adquirir este direito, mediante pecúnia. Na prática, a Outorga Onerosa vem sendo aplicada pelas Administrações Públicas de forma a buscar a captação dos interesses do Mercado Imobiliário a fim de torná-lo uma fonte de recursos mais efetiva. Portanto é de se imaginar que a sua efetivação flutua com a dinâmica do Mercado Imobiliário e da Construção Civil.
Uma característica a ser observada sobre este instrumento refere-se ao entendimento recorrente, mas equivocado, de que quando você paga por este direito, mediante compra de potencial (terminologia mais utilizada para formalizar a efetivação da aquisição do direito pretendido) você estará incorporando eternamente este excedente construtivo (coeficiente de aproveitamento, pavimentos extras, novos usos) à propriedade. Esse entendimento ocorre com mais frequência em cidades que possuem Operações Urbanas Consorciadas (OUC) em curso pois, nessas cidades existem os CEPAC (Certificados de Potencial Adicional de Construção), que são títulos de valores mobiliários emitidos pelas prefeituras, que podem ser adquiridos por meio de leilões na bolsa de valores, através de regras e fiscalização da CVM (Comissão de Valores Mobiliários), e estes sim, perduram até a sua utilização formal ao propósito que se destina. Mas esse é assunto para a próxima publicação. Na maioria dos Planos Diretores das cidades brasileiras, a utilização da Outorga Onerosa se equipara a um alvará de construção, ou seja, consiste em uma autorização (de caráter temporário) para que se possa desenvolver uma operação imobiliária. E caso não se faça uso deste direito em um prazo pré-determinado por legislação específica, deverá pagá-lo novamente para obter o mesmo benefício. Neste caso, o diferencial deste para um alvará de construção tradicional é apenas que terá a possibilidade de fazê-lo com parâmetros urbanísticos diferenciados.
Quando seria vantajoso para o negócio imobiliário fazer uso da Outorga Onerosa? Não temos como responder esta questão de forma direta. Algumas variáveis precisam ser consideradas para esta verificação. Porém, se pode afirmar que seria vantajoso, em muitas cidades, utilizá-lo objetivando aproveitar o gabarito máximo (maior número de pavimentos possível) que a legislação municipal permite no local da incorporação imobiliária pretendida. O custo deste benefício (desta outorga onerosa) costuma ser bem inferior àqueles aplicados quando se pretende construir mais área (computável e/ou privativa), acima do coeficiente de aproveitamento básico.
Outra análise que se pode fazer é verificar se existe a possibilidade de adquirir um terreno contíguo ao que se pretende construir e comparar os dois cenários: ‘comprar potencial’ ou ‘comprar o terreno do lado’. Esta avaliação parece simplista, entretanto, existem muitos municípios que por ganância, inabilidade ou ambos, estabelece regramentos para a aplicação da Outorga Onerosa, que não compensa economicamente para o incorporador utilizá-lo. Neste caso, tendemos a pensar quem perde é o Município. Ocorre que a falta de atratividade para a utilização deste instrumento, por parte do Mercado Imobiliário, impede a Administração Pública de fazer a captação de recursos que poderiam ser bem empregados dentro de um ciclo virtuoso desejável : [1] de captação de recursos; seguido de [2] aplicação dos recursos em qualificações urbanísticas locais; em consequência se geraria [3] o estímulo para a utilização do instrumento por parte dos incorporadores; o que resultaria em [4] mais captação; e assim sucessivamente. Ou seja, perde a Administração Pública e perde o Mercado Imobiliário.
Por fim, trataremos da questão: A Outorga Onerosa seria um herói ou vilão do Mercado Imobiliário? Como vimos até aqui, a resposta para esta questão estará condicionada à forma como serão aplicados os recursos financeiros provenientes da arrecadação promovida pela utilização deste instrumento.
Caso a Administração Pública faça previsão do uso destes recursos para potencializar ações urbanísticas (melhoria no sistema de mobilidade, oferta de espaços e equipamentos públicos qualificados, investimentos em infraestrutura e serviços públicos, reabilitação de antigas áreas industriais obsoletas, requalificação da áreas centrais, preservação e conservação do patrimônio histórico material), sociais (oferta de habitação de interesse social, regularização fundiária), ambientais (proteção dos recursos hídricos, preservação de florestas urbanas, construção de dispositivos para enfrentamento de enchentes), entre outras ações que se espera de uma Administração Pública responsável, a Outorga Onerosa pode ser considerada um potencializador do Mercado Imobiliário, pois o reflexo dessas ações são convergentes.
Agora, caso seus recursos sejam utilizados para alimentar, mesmo que parcialmente, a corrupção sistêmica, endêmica e sindrômica que afeta parte da Administração Pública brasileira, penso que seu emprego deve ser desestimulado e quem sabe até, por força política dos agentes imobiliários (incorporadores, construtores, fornecedores, imobiliárias, etc.) ser banido dos Planos Diretores dos Municípios que adotam esta prática indesejada. Pois a má aplicação deste instrumento é mais perversa para o Mercado Imobiliário do que não o possuir no Município.
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