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Brain | Cenário e Desafios da Caixa Econômica Federal no contexto habitacional

Cenário e Desafios da Caixa Econômica Federal no contexto habitacional

Inês Magalhães
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Cenário e Desafios da Caixa Econômica Federal no contexto habitacional

Atualizado por último em julho de 2023

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Inês Magalhães

Vice-Presidente de Habitação da Caixa Econômica Federal

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Marcos Kahtalian

Sócio-Fundador da Brain Inteligência Estratégica

Nesta entrevista, nosso Sócio-Fundador, Marcos Kahtalian, se reuniu com Inês Magalhães, que foi Ministra das Cidades e agora é Vice-Presidente de Habitação da Caixa Econômica Federal, para conversar sobre o cenário e os desafios que a Caixa está enfrentando dentro do contexto de habitação. Confira abaixo a conversa completa.


[Marcos Kahtalian]: A Caixa Econômica Federal, que é o Banco da Habitação, vem desenvolvendo ao longo da sua história, sobretudo, a habitação de interesse social. Eu quero conversar com você para entender a perspectiva de alguém que sai do Ministério das Cidades e agora está no papel executivo da Caixa. Gostaria que você começasse comentando sobre estes primeiros meses. O que você pode compartilhar conosco em relação ao que a Caixa já avançou, e também em relação às perspectivas e metas para este ano?


[Inês Magalhães]: Como você comentou, nós somos o Banco da Habitação, então o nosso portfólio atende as distintas necessidades habitacionais. Nós temos agora o fechamento, com 72 bilhões de crédito, sendo metade disso Minha Casa Minha Vida. E com a aprovação feita no Senado, nós estamos preparando a contratação do Faixa 1, que é uma modalidade importante considerando o nível de desigualdade que o país tem. Há um consenso de que há uma fatia da população de famílias que não é sujeito de crédito, por questões de uma renda muito instável. Então, essa modalidade nos ajuda a atender essas famílias em situação de risco, mulheres em situação de violência e até a questão dos moradores de rua. A gente retoma, então, um papel que a Caixa do banco público tem que executar: atender a política e ser a agência de implementação da política de habitação do governo. Para mim, é um certo privilégio pois eu estou jogando em uma posição de implementar coisas que eu ajudei a desenhar.

 

[Marcos Kahtalian]: Em relação ao Faixa 1, estamos falando de famílias que estão realmente em situação de déficit, com um aluguel oneroso ou em condições muito ruins de habitabilidade. Como é que a Caixa pretende fazer essa implementação? Eu imagino que a alteração disso vai requerer uma atenção especial. É isso mesmo, ou estou enganado?

 

[Inês Magalhães]: A Caixa tem uma expertise em trabalhar com a gestão desse tipo de produto. Nós já tivemos, historicamente, a experiência do FAR no início dos anos 2000, e entre 2009 e 2016, a implementação desse programa. O tema da parceria com os municípios e com os movimentos sociais é um tema fundamental. O Minha Casa Minha Vida, hoje, tem novos desafios e acho que a gente tem uma curva de aprendizagem importante. O tema da localização, e o desenvolvimento de projetos menores com uma melhor qualidade, por exemplo, são temas que estão sendo colocados nesse novo momento do programa. Tem um desafio que nós estamos enfrentamos nesse primeiro período, que é a retomada de obras paralisadas. É a pior coisa que existe. Nós sabemos, é um nível de perda de recursos grandes. Nós retomamos cerca de 11 mil unidades até agora e ainda temos no estoque para retomar. Isso faz com que a gente reflita que esse papel que a Caixa tem é muito importante.

Por outro lado, nós estamos projetando para os próximos meses a elaboração de um novo programa, que é o programa de Retrofit. Por já termos financiado vários empreendimentos, inclusive na modalidade Minha Casa Minha Vida, no Entidades, sabemos que é sempre um produto que é caso a caso. O desafio que temos é de como construir uma rede, que implica em ter construtores que se especializam nisso, municípios que estejam dispostos a estabelecer legislações que incentivem essa questão, a própria ação dos governos estaduais para legislação de corpo de bombeiro, tema da acessibilidade. Então, nós estamos preparando um benchmark sobre cada um desses temas para que a gente enfrente o desafio da escala.

 

[Marcos Kahtalian]: Isso é muito interessante. Quando a gente entrevista os prefeitos, muitas vezes, eles falam que o projeto habitacional é um problema do governo federal, que há uma legislação federal, que eles não tem como resolver, e que a Caixa Econômica é a operadora que opera o FGTS. A gente comenta que acredita ser possível construir essa parceria. E estou falando isso porque tem uma das críticas que já foi muito feita ao programa, que é a de que muitas vezes ele colocou a habitação de interesse social muito distante da infraestrutura urbana. É nesse sentido que a senhora está falando do Retrofit, e de trazer a habitação de interesse social para o centro das cidades?

 

[Inês Magalhães]: Essa é uma das questões em que pesa a questão do Retrofit. A gente quer atingir a habitação de interesse social, mas a habitação de classe média mesmo. A questão é que onde você tem a maior concentração de imóveis que podem ser reformados e sofrer o processo de requalificação, é nas áreas centrais. E a experiência internacional e algumas experiências nacionais apontam que ter uma mistura de renda é fundamental para que o projeto de revitalização, por exemplo, seja um projeto sustentável.

Em relação à localização dos imóveis, esse é um desafio muito importante e acho que o setor tem um papel fundamental. Nos anos 2000 era quase impossível você ter uma discussão com o setor imobiliário, onde ele defendia as ZEIS, né? ZEIS eram consideradas quase que uma heresia. Então, hoje, você incorpora ZEIS como um mecanismo importante para garantir a presença de uma habitação de interesse social, ou habitação econômica como a gente costuma chamar, em áreas mais bem localizadas. E essa é uma tarefa fundamental do município. Então, o desafio que nós enfrentávamos naquele momento é que havia uma premissa, que não se efetivou, que a discussão dos planos diretores que haviam sido realizadas entre 2005 e 2007, que era o prazo legal, tivessem produzido uma cidade mais inclusiva. E, na verdade, não foi isso que aconteceu. A gente teve a aprovação pelos municípios de empreendimentos mais distantes do que a gente gostaria originalmente.

A primeira coisa que a gente vai fazer é estabelecer e fazer um aceite do terreno. Como é que se garante uma melhoria da localização e de projeto? Você primeiro olha o terreno, vê se ele está apto ou não dentro de parâmetros objetivos a ser um terreno elegível ao programa. A gente também está colocando na regulamentação a diminuição do tamanho dos condomínios para que a gente não tenha produtos maiores.

 

[Marcos Kahtalian]: Já tem em números?


[Inês Magalhães]: Estamos trabalhando em torno de 300 unidades.

Nós estamos prevendo, inclusive, de que se o terreno tiver indicadores melhores, de melhor localização, ele pode ser cotado com um valor maior da unidade. Então, espero que isso nos ajude a enfrentar a questão da localização, ainda que isso só poderá ser enfrentado de maneira efetiva se na discussão dos planos diretores a gente conseguir incorporar os polos na cidade. Esse é o tema.

Nós temos cidades que tem uma população pobre, de 70% a 80% da cidade. E quando você olha os planos diretores, aquilo que está reservado como as ZEIS é 1 % do território. Há uma necessidade de que a discussão dos planos e o próprio setor da construção civil se coloque como um defensor de estabelecimento de zonas especiais de interesse social, pra que a gente torne isso viável economicamente.

 

[Marcos Kahtalian]: Acho que o caso de São Paulo mostra isso. Depois da aprovação das ZEIS, a habitação, seja de interesse social ou dentro do programa Minha Casa Minha Vida como um todo, cresceu bastante na cidade. Chegou a ser metade, 40% das unidades lançadas. Por falar em inclusão, foi aprovado no Senado, como medida provisória e vai agora a ascensão. O que ela traz de novo? O que ela chama atenção aí pro novo Minha Casa Minha Vida?

 

[Inês Magalhães]: Esse é um tema de se perseguir, a questão da melhoria da localização. Ela traz uma modalidade de aluguel social, retrofit, melhorias habitacionais. Ela retoma o Faixa 1 do Minha Casa Minha Vida tanto para movimentos sociais rurais e urbanos quanto para famílias em situação de alta vulnerabilidade. Eu acho que essa é uma retomada fundamental pelo perfil que a gente tem na população, afinal, somos um dos países mais desiguais do mundo. Tem uma parte da população brasileira que não são sujeitos a crédito, considerando crédito imobiliário, que é um crédito de longo prazo. Então, é importante que a gente garanta o direito à moradia e que não esteja ligada a possibilidade de pagar uma hipoteca por 20 a 30 anos, ainda que ela pague segundo as suas possibilidades.

 

[Marcos Kahtalian]: E isso foi uma marca do primeiro momento do Minha Casa Minha Vida e do Faixa 1. Aqueles 9.5 bilhões vão para essa modalidade? E a ideia para executar isso, tem alguma previsão?

 

[Inês Magalhães]: Isso, vão para essa modalidade. Esse ano a gente tem uma meta de contratar 100 mil unidades nessa modalidade. E mais ou menos isso para os próximos 4 anos.


[Marcos Kahtalian]: Totalizando 400 mil, aproximadamente.

 

[Inês Magalhães]: Em termos de renda, não falando da modalidade, nós temos um trabalho hoje, junto com o segurador, de melhorar as condições de financiamento, seja tanto da curva de subsídio quanto dos limites, que eles estavam sem reajuste real por algum tempo. E que isso nos permita fazer uma coisa, que acontece pontualmente hoje com o Casa Paulista com uma parceria com o governo do Paraná, que a gente transforme isso num produto de prateleira. Ou seja, eu tenho um conjunto de parâmetros que vão permitir que o estado ou o município que queiram ter parceria conosco, façam isso de maneira célere e já com um certo script. Qual é a ideia disso? Você tem uma fatia da população em que a maior dificuldade dela é a entrada, porque na verdade a prestação acaba sendo uma coisa muito próxima ao que ela paga de aluguel hoje, por exemplo. Então a ideia é que a gente, com essa parceria dos estados e municípios, consiga tornar a entrada dele subsidiada. Estamos possibilitando 420 meses, prologando prazos, para poder inserir essas famílias que, tem uma possibilidade de pagamento, porém que tem uma dificuldade de fazer poupança, que é um problema estrutural do país.

 

[Marcos Kahtalian]: Está se falando bastante do aumento do limite. De ter um limite a nível Brasil. Como é que a Caixa está vendo essa questão?


[Inês Magalhães]: Essa foi uma conversa que tivemos bastante, tanto na Caixa quanto no Ministério e no governo. Eu acho que é uma medida positiva. Nós temos a ideia de que a gente tenha uma parte do SBPE quase como uma Faixa 4. Aquele primeiro SBPE. A ideia é ter uma pirâmide de atendimento que seja muito conectada com uma parte da população que é de baixa renda, classe média baixa, pra gente incentivar e consolidar o mercado imobiliário. Um dos méritos do Minha Casa Minha Vida foi esse. Na verdade, o primeiro objetivo que a gente tinha em mente era consolidar um nicho do mercado econômico.

 

[Marcos Kahtalian]: Isso consolidou. É indiscutível.


[Inês Magalhães]: O maior sucesso do programa é esse. E acho que essas medidas que estamos pensando em implementar consolidam muito claramente isso. Tem um desafio evidentemente da politicagem, tem o desafio de transformar a indústria da construção em uma indústria mesmo, no sentido da palavra. Mas acho que temos um caminho muito proveitoso.

 

 

[Marcos Kahtalian]: Agora pelo menos já vimos o INCC, o custo da construção, mais confortável. Ele penalizava bastante o empresário que tinha que fazer o repasse na planta, já que o custo não corrigia, então acho que a situação melhorou. O próprio presidente chegou a falar sobre isso em eventual conversa de renda.

 

[Inês Magalhães]: É, nós vamos conversar melhor ainda o que é que ele está pensando. A ideia é que nós tenhamos um leque de atendimento que incorpora a classe média em condições técnicas aceitáveis. É uma diretriz importantíssima que está incorporada com a Caixa.

 

[Marcos Kahtalian]: Bom, por último, pra gente encerrar a nossa entrevista, quais são, dentro desse contexto, as políticas que agora passam a ser de orientação da Caixa? A senhora comentou algumas coisas com relação ao Faixa 1, mas, além disso, que outras políticas a Caixa está olhando para habitação?

 

[Inês Magalhães]: Tem um desafio enorme que colocamos como prioridade no nosso planejamento que é o tema da digitalização. Com a medida provisória transformada em Lei, nós damos um avanço importante que pretende dar celeridade nos processos de contratação, tornando essa jornada completamente digital. Hoje, nós já temos a possibilidade de fazer isso com a presença da família só no momento de assinar o contrato, ela já faz todo o processo em jornada digital, mas nós queremos avançar nesse caminho.


[Marcos Kahtalian]: Para dar mais rapidez?


[Inês Magalhães]: É, porque, na verdade, tudo é custo, né? Na medida em que você torna esse processo mais rápido, menos intensivo, você tem a possibilidade de continuar ofertando esse crédito a um melhor custo. Na nova modalidade do programa, nós temos o retrofit como uma questão a ser criada. Estamos gerenciando dois projetos de PPP, um em Recife, um no Mato Grosso do Sul e outro no Sul.

 

[Marcos Kahtalian]: E a ideia é ampliar isso?


[Inês Magalhães]: Esse é um modelo que a gente precisa se aprofundar. Na modalidade de PPP você tem muita expertise naquilo que é serviço, e habitação não é tido como um serviço. Eu acho que tem discussões importantes e aprendizado nessa área. E incorporar o tema do ESG, o Selo Azul. A Caixa tem o papel de indução também na criação e incorporação da inovação. Inovação não significa só o tema da tecnologia, pode ser a retomada de sistemas consultivos tradicionais, por exemplo.

 

[Marcos Kahtalian]: E olhar as regionalidades.


[Inês Magalhães]: Exatamente. Se a gente olha a Amazônia e os desafios que nós temos, o uso da madeira de reflorestamento, a própria questão de atendimento das populações tradicionais, coloca um desafio especial na agenda da Caixa.

 

[Marcos Kahtalian]: Vai precisar realmente de uma musculatura para coordenar isso tudo. Já não é fácil gerir um grande programa, quanto mais ainda com essas ambições legítimas de promover habitação e interesse social. Inês, obrigado por falar conosco aqui sobre o cenário e os desafios que a Caixa está enfrentando dentro do contexto de habitação.

 

[Inês Magalhães]: Foi um prazer.

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