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Brain | Distrato na compra e venda de imóveis: nova lei, velhos problemas

Distrato na compra e venda de imóveis: nova lei, velhos problemas

Marcela Ruiz Cavallo
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Distrato na compra e venda de imóveis: nova lei, velhos problemas

Atualizado por último em novembro de 2022

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Marcela Ruiz Cavallo

Advogada sênior na Zilveti Advogados

O ramo de Direito Imobiliário é muito amplo, e nos traz debates muito ricos. Nestes últimos anos, principalmente em tempos de crise sanitária e econômica em escala global, diversos foram os tópicos de atenção relacionados ao setor. Um tema que é amplamente desbravado judicialmente são os distratos na compra e venda de imóvel em incorporação imobiliária ou em parcelamento de solo urbano.

Tão delicada é esta questão que, inclusive, foi objeto de legislação própria, editada em 2018, com o objetivo de disciplinar estes instrumentos. Porém, mesmo com a lei específica, tal matéria ainda admite muita discussão judicial, e não raras são as vezes em que os magistrados regulam a ruptura do negócio jurídico.

Como era a formalização do distrato

Pois bem. Antes de entendermos o que o legislador trouxe com a Lei nº 13.786/18, importante revisitarmos a forma como os distratos eram formalizados. Para os contratos celebrados antes da vigência da lei, o ressarcimento deveria ocorrer pela construtora/incorporadora em parcela única ao então comprador, sendo legítima a retenção por parte da mesma de uma parcela do valor, mediante a alegação de prejuízo.

Esta possibilidade de retenção, apesar de ser majoritariamente reconhecida como legítima, ainda assim era objeto de inúmeras controvérsias, principalmente com relação à sua porcentagem. Não raras eram as vezes em que o embate era judicializado, para que os juízes reajustassem o percentual da retenção, de acordo com o caso concreto. Evidentemente que tal questão trazia certa insegurança jurídica, vez que compradores em situações idênticas, muitas vezes recebiam tratamentos diferentes em seus distratos. Sob a ótica das construtoras e incorporadoras, a questão trazia uma constante dificuldade financeira, trazendo também insegurança jurídica para estes empreendimentos, no passo em que sequer tinham conhecimento dos exatos termos de eventual distrato, tornando complexo um estudo de provisão para estes casos.

As mudanças provocadas pela Lei nº 13.786/18,

Dentro deste cenário de incertezas, veio a Lei nº 13.786/18, com o objetivo de padronizar tal situação. Com os parâmetros estabelecidos pelo legislador, o que se esperava era justamente o fim de sua judicialização. A lei vigente prevê o percentual de retenção, que pode variar de 10% a 25% do valor efetivamente pago pelo então comprador, sem qualquer necessidade de alegação de prejuízo, já que o legislador adequou sua natureza jurídica, que antes era de reparação por prejuízos, à de sanção. O ressarcimento ao então comprador deve ocorrer em 180 (cento e oitenta) dias, contados do distrato.

E não foi só. Dentre as novidades que a lei trouxe, cabem alguns destaques: não cabe a restituição da comissão de corretagem e pena convencionada em caso de distrato por culpa exclusiva do comprador. Caso o então comprador já esteja em posse do imóvel no momento do distrato, este também deverá arcar com valores referentes aos impostos incidentes sobre o imóvel, cotas condominiais e contribuições devidas, e ainda a eventuais encargos e despesas previstas em contrato. Além do mais, arcará com um valor correspondente à fruição do imóvel, equivalente à 0,5% do valor atualizado do contrato. Outro ponto de destaque com relação às retenções é configurado nos casos de incorporações submetidas ao regime de patrimônio de afetação, que nada mais é do que aquele em que a incorporadora utiliza bens próprios para uma determinada atividade, buscando uma segurança maior ao projeto. Em tal hipótese, a restituição ao comprador será de até 50% do valor já pago pela aquisição do imóvel, a ser concretizada em 30 dias após a expedição do “habite-se” ou documento municipal necessário.

Dois temas bastante discutidos judicialmente também foram considerados pelo legislador, buscando encerrar o grande embate judicial que os precederam: a possibilidade de exercício do direito de arrependimento pelo comprador, no prazo de 7 dias da data da aquisição do imóvel, quando este ocorrer fora da sede da incorporadora, com a restituição integral dos valores por ele pagos, inclusive a título de comissão de corretagem, e a possibilidade de distrato por culpa da construtora/incorporadora nos casos de atrasos superiores a 180 dias para a entrega do imóvel, gerando ao comprador o direito de receber todos os valores pagos e a multa estabelecida, com a devida correção.

Contudo, o que, em um primeiro olhar, soou como a pá de cal às tão conhecidas discussões judiciais sobre o tema, na realidade se mostrou somente como um delimitador de circunstâncias pontuais, sem a objetividade que o assunto demanda. Nos deparamos com novas lacunas que, mais uma vez, permitem que as questões sejam submetidas ao judiciário. A falta de critérios objetivos para o arbitramento da multa (retenção) abre uma importante brecha que permite a análise e eventual redução de multa pelos magistrados, retornando o já tão conhecido problema de insegurança jurídica e falta de objetividade nestas relações.

Tal liberdade traz problemas práticos. Já existem decisões judiciais que, ao arbitrarem o valor da multa em seu teto de 25% do valor pago, o fazem com a justificativa de que, em tal sanção, estariam inclusas demais verbas que, de acordo com a lei, devem ser retidas pelas construtoras/incorporadoras como, por exemplo, o valor correspondente à fruição do imóvel. Ainda que, matematicamente falando, o raciocínio tenha algum sentido, juridicamente falando, tem-se uma relativização da legislação, quando não sua própria negativa, já que ao que parece, na prática, a lei somente veio para impor alguns limites, mas não os critérios para tanto.

Portanto, mais uma vez, caberá às construtoras e incorporadoras, ao elaborarem as cláusulas contratuais que tratam da matéria, a previsão para a possibilidade de eventual alteração judicial destas, bem como esperar pacientemente por mais uma nova normativa mais objetiva acerca do tema. Até lá, somente nos resta aguardar a “regulação” do tema pelo Poder Judiciário.

*O conteúdo deste texto foi redigido por terceiros e pode não refletir a opinião da Brain Inteligência Estratégica.

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