Atualizado por último em janeiro de 2023
Head da Brain Inteligência Estratégica em São Paulo
David Ben-Gurion, fundador do Estado de Israel (1948), foi um ativista pragmático, com alta capacidade de realização e a palavra hebraica que define essa característica é bitzu'ist.
O PIB per capita desse país é de U$51,4 mil, quase 7 vezes maior do que o nosso, e seu território, com 21,6 mil km2, é menor do que o estado de Sergipe.
Mas o que faz dessa jovem nação com um pequeno território no Oriente Médio, uma das mais importantes do mundo, quando o assunto é empreendedorismo, inovação e tecnologia?
A característica de grande parte do povo Judeu é representada pelas palavras bitzu'ist e "Chutzpah"1. A última, de origem iídiche e emprestada para o hebraico, é pronunciada com "C" mudo e “H” forte - /HÚTZ-pa/ - e pode ser traduzida como atrevimento, desfaçatez, desplante, insolência, petulância e presunção com arrogância. Por conta disso, muitos recém-chegados ao país consideram os israelenses rudes, mas considero que são francos, desafiadores e autênticos.
Israel possui o maior percentual de gasto em pesquisas sobre o PIB2, à frente de potências como os Estados Unidos e o Japão, e, como consequência, possui mais startups per capita3, sendo muitas delas utilizadas em todo planeta, como o Waze, Wix e Ituran4. Companhias israelenses ocupam a terceira colocação em relação a quantidade de empresas listadas na NASDAQ, atrás apenas dos EUA e da China5, e as maiores corporações de tecnologia possuem filiais ou centros de desenvolvimento no país, como Intel, Cisco, IBM, Google e Microsoft6. Israel é líder mundial em tecnologias para agricultura, especialmente em climas semiáridos, áridos e hiperaridos7, que correspondem a 95% do seu território8. Mesmo com esse solo desértico, 99% da população tem acesso a água potável, e, portanto, a adversidade estimula a inovação.
Aos dezoito anos de idade, mulheres e homens são obrigados a prestar serviço militar por dois ou três anos, e essa é uma experiência valiosa para a vida dos jovens devido a alguns aspectos relacionados ao exército Israelense, o IDF (Israel Defense Forces). Deliberadamente, o IDF mantém um baixo percentual de oficiais de alta patente em relação a outros exércitos, o que aumenta o nível de responsabilidade e autonomia que os jovens oficiais assumem. No decorrer dos treinamentos, vivenciam o trabalho em equipe, a liderança e a colaboração entre indivíduos, que são habilidades essenciais também no contexto empresarial. Depois do período de confinamento no exército, é comum que os jovens passem meses viajando e quando voltam, com cerca de 22 anos de idade, estão muito mais maduros para escolherem sua trajetória acadêmica e mais maduros ainda quando forem trilhar a vida profissional adiante. O sentimento de prisão mental também é decorrente da dificuldade de transposição das suas fronteiras, que até pouco tempo era impossível por terra, portanto, eles aproveitam para viajar sempre quando há alguma oportunidade.
A dificuldade relacionada aos países vizinhos também molda outra particularidade que é favorável ao desenvolvimento tecnológico. É custosa e complexa a exportação de produtos pesados ou volumosos, mas é fácil alcançar mercados a milhares de quilômetros de distância nas áreas de software, telecomunicações, informática e aplicativos, que representam mais de 50% das exportações do país9.
Durante uma ou mais semanas por ano, os reservistas precisam voltar às suas unidades para treinamento, e isso fortalece ainda mais os laços de amizade entre eles por boa parte de suas vidas, e, nesse meio, a hierarquia militar é quase inexistente.
Outra particularidade observada no IDF, que encerra cada dia com reuniões de avaliação de erros e acertos ocorridos nos treinamentos para melhoria contínua, é uma atitude de reconhecimento da importância do aprendizado decorrente do fracasso. Tal prática também é preciosa no universo das startups, pois, como em qualquer outro lugar, a maior parte delas desaparece prematuramente, mas seus fundadores, em vez de serem marginalizados e estigmatizados pela sociedade, aproveitam sua experiência e perseverança para criar outros projetos com chances bem maiores de sucesso.
Tanto no IDF quanto na própria composição da população israelense, existe uma ampla diversidade em termos de renda, raça, língua e origem, proveniente de mais de setenta nacionalidades. Este é um dos países mais heterogêneos do mundo, o que é altamente positivo para o ambiente de inovação. Na sua fundação, há pouco mais de setenta anos, contabilizava cerca de oitocentos mil habitantes, e, atualmente, pouco mais de nove milhões (menor do que a população da cidade de São Paulo). Parte relevante desse crescimento se deu a partir de 1950 com a política liberal de imigração, chamada "Lei do Retorno", que garante a todo Judeu (nascido de mãe Judia, convertido ao Judaísmo, cônjuges, filhos e netos de Judeus), o direito de cidadania. Segundo Gidi Grinstein, imigrantes, por definição, são tomadores de risco que não têm dificuldade para recomeçar, e, portanto, uma nação de imigrantes é uma nação de empreendedores.
Esse povo possui um desejo insaciável de argumentação, e indivíduos em postos ou níveis mais baixos na hierarquia têm liberdade para manter discussões construtivas com seus superiores, estejam eles na esfera militar, empresarial, escolar, política, familiar, governamental ou religiosa. De acordo com o autor Amos Oz, o Judaísmo cultivou a cultura da dúvida, da argumentação e do questionamento das autoridades desde o início da civilização Judaica em torno dos debates sobre como interpretar a Bíblia e obedecer a suas Leis. Reflexo disso é o fato de que esse é o único lugar onde as autoridades, incluindo generais e primeiros-ministros, são chamados abertamente por seus apelidos, não pelas costas.
Finalmente, encontra-se lá uma profícua integração entre governo, universidades e empresas, com o objetivo mútuo de promover inovação e empreendedorismo. O governo oferece financiamento (Seed) na fase inicial das startups, que é devolvido se a sociedade for bem-sucedida, ou torna-se fundo perdido se o projeto fracassar. O governo também investe em vinte e quatro incubadoras e aceleradoras, sendo que, em algumas delas, também há parceria com as universidades de ponta do país. Universidades como o Technion - Instituto de Tecnologia de Israel, fundado em 1924, a Universidade Hebraica de Jerusalém, fundada em 1918 por personalidades como Albert Einstein e Sigmund Freud, o Instituto de Ciência Weizmann (1934) e a Universidade de Tel Aviv (1956) figuram entre as melhores do mundo. E, não por acaso, lá existem mais engenheiros e cientistas per capita, e seus pesquisadores produzem mais artigos científicos per capita do que em qualquer outro país. Essas universidades possuem organizações com fins lucrativos para a transferência de tecnologia, como a Yeda e a Yissum, que registram as patentes e fazem a ponte entre a pesquisa acadêmica e o setor empresarial, faturando juntas centenas de milhões de dólares anualmente.
Pudemos observar todas essas realidades na missão organizada pelo grupo de Novos Empreendedores do Secovi-SP quando visitamos também a Elbit Systems, uma empresa de defesa, com faturamento de U$5 bilhões em 2021, que tem uma forte cultura de inovação. A partir de tecnologias desenvolvidas para a área de defesa, cria startups com serviços e produtos que atendem o mercado privado. Conhecemos lá a UltraWis, uma spin-off da Elbit que utiliza sistema de escaneamento 3D de terreno desenvolvida para helicópteros, que são instaladas em gruas para acompanhamento do andamento de obras de construção civil.
Existe naquela nação, um ambiente onde os empresários prosperam, por um lado, contando com segurança jurídica, democracia plena, livre economia de mercado, solidez e estabilidade institucional, e, por outro, são beneficiados com uma cultura não hierárquica, improvisadora e informal, em um território com muitas adversidades e escassez de recursos naturais. Esse ambiente, definido pela ciência da complexidade como "limiar do caos", é propício para gerar altos níveis de adaptação, empreendedorismo, criatividade e inovação.
E o Brasil, pode algum dia tornar-se um país realmente inovador como é Israel?
*Hamilton Leite, Mestre em engenharia civil e Head São Paulo da Brain Inteligência Estratégica.
Bibliografia
1. O que “CHUTZPAH” significa? https://www.teclasap.com.br/o-que-chutzpah-significa/.
2. Research and development expenditure (% of GDP) | Data. https://data.worldbank.org/indicator/GB.XPD.RSDV.GD.ZS?end=2021&most_recent_value_desc=true&start=2021&view=map.
3. Becker, C. Armed with innovation. Israel has become a prolific developer of new medical technologies and the nation’s dominant defense industry is often the incubator. Mod. Healthc. 35, 26–29 (2005).
4. חדשנות ישראלית | ISRAELI INNOVATIONS. http://innovationisrael.mag.calltext.co.il/magazine/80.
5. Non-U.S. Companies. https://stockmarketmba.com/nonuscompaniesonusexchanges.php.
6. Dun’s 100 - Largest High Tech Companies in year 2022. https://www.duns100.co.il/en/rating/High_Tech/Largest_High_Tech_Companies.
7. OECD. OECD review of agricultural policies: israel 2010. (OECD, 2010). doi:10.1787/9789264079397-en.
8. Start-up Nation: The Story of Israel’s Economic Miracle - Dan Senor, Saul Singer - Google Livros.
9. Israeli high-tech dominant export industry, but investment needed - ISRAEL21c. https://www.israel21c.org/israeli-high-tech-becomes-dominant-export-industry-but-uncertainty-looms/.
*Este artigo também foi publicado na coluna FIABCI-BRASIL, veiculada no jornal O Estado de São Paulo.