Atualizado por último em setembro de 2022
Membra Efetiva da Comissão Especial de Direito Bancário
Não existe qualquer dúvida de que, em 2020, com a vinda da pandemia da Covid-19, instalou-se uma crise global não só sanitária, mas também econômica. Sob o ponto de vista jurídico, um dos primeiros efeitos da pandemia foi a massiva renegociação dos contratos de locação, tanto residenciais como comerciais, ante a incapacidade dos inquilinos de suportar os índices de correção monetária estipulados em contrato.
O IGP-M também foi alvo de grandes debates no primeiro semestre de 2021, momento em que acumulou alta superior a 30% em 12 meses, valor este que supera em quase 6 vezes a inflação. Sendo este o índice que predomina nos contratos de locação, iniciou-se um movimento para a sua substituição, sendo que os players deste mercado, tais como startups que fazem o intermédio da relação inquilino/proprietário, já vem adotando o IPCA nos novos contratos.
Na sequência desses eventos, em 11 de janeiro de 2022, é criado o Índice de Variação de Aluguéis Residenciais (IVAR). Este novo indexador, dedicado exclusivamente para o reajuste de aluguéis residenciais, surge quase como a solução para os problemas acima narrados. Diante de uma ausência de estatísticas relacionadas ao setor, corroborado com a explosão do IGP-M, o Instituto Brasileiro de Economia (IBRE), da Fundação Getúlio Vargas (FGV) desenvolveu o presente índice, que atualmente acumula uma taxa de reajuste de 8,05% em 12 meses.
Utilizando como base as cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Belo Horizonte, o índice busca avaliar a evolução dos valores dos aluguéis residenciais. Possui periodicidade mensal e compõe o calendário fixo de índices calculados e divulgados pela FGV. Vem como um índice mais adequado do que o usual IGP-M, que possui como objetivo principal a medição de preços dos atacados e que é diretamente afetado pela situação do mercado externo. A adoção deste índice nos contratos de locação evidencia, inclusive, a lacuna do setor.
O índice é calculado, em suma, com base em contratos de locação vigentes nas capitais mencionadas, não considerando em sua base de cálculo ofertas de locação. Para ser viável, a instituição realizou parcerias com administradoras de imóveis residenciais, que fornecem os dados, resguardando o sigilo das partes. A promessa é de que, em breve, o cálculo do índice abarque outras capitais.
Porém, ainda que em plena vigência, com números que atendem o mercado e com um conceito que soa como a solução para todos os problemas do setor, por qual razão ainda não é o IVAR plenamente incorporado nos contratos de locação?
Para solucionar tal questão, existem alguns pontos a serem analisados, tais como a natureza jurídica e características dos contratos, a necessidade de ampliação dos dados coletados para sua apuração e, também, uma certa resistência por mudanças presente nesta relação.
Alterar um contrato vigente exige uma série de ações que começam desde a convenção das partes, até a formalização da alteração. Para que o índice de correção do aluguel de um contrato vigente seja alterado, as partes precisam negociar este fator, elaborar um documento de aditamento que contenha essa manifestação, bem como sua vigência e assiná-lo, assim como ocorre com o contrato original, para que tenha validade jurídica. Basta que uma das partes não tenha interesse na modificação para que esta seja impossibilitada, ressalvando a possibilidade de judicialização da questão.
Outro ponto que ainda gera desconforto no mercado é o fato de que o índice, segundo divulga o instituto, é apurado com base em 10 mil contratos de quatro capitais, apenas, parcela muito pequena se compada com a quantidade de contratos de locação residencial vigentes em todo o território nacional que, em 2018, ultrapassava os 12 milhões. Para um índice que possui como finalidade a solução do problema das locações residenciais nacionais, sob o ponto de vista de mercado, o índice não refletiria a realidade do setor, ainda que o usualmente utilizado também não reflita.
Também se tem como ponto de cautela o fato de tal índice levar em consideração a destinação do imóvel alugado para sua apuração. Como seu próprio nome diz, o IVAR considera apenas as locações residenciais, excluindo os contratos para fins comerciais. Ainda que não exista qualquer impedimento legal para a utilização do IVAR nesta modalidade de locação, tem-se que ele não refletirá a realidade destas locações, não resolvendo a lacuna ali presente.
Por fim, não podemos excluir a presença de uma certa resistência por mudanças, natural das relações não só negociais, mas também humanas. Como já dito, por muitos anos, os contratos de locação tradicionalmente adotam índices que, em grande parte do tempo, não apresentam grandes oscilações. A situação ocorrida em 2021 foi cercada por um contexto global extremamente atípico, o que desmotiva a mudança, ainda mais para um índice embrionário.
Portanto, e ainda que a premissa agrade, possivelmente levará tempo para que o índice passe a ser de fato adotado e predomine nos contratos de locação, e até lá, caberá às partes contratantes adotarem em seus contratos índices que, claramente, possuem outra finalidade, mas que, por alguma razão, parecem trazer mais segurança à relação jurídica ali existente.
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