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Licença social para operar

Hamilton Leite
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Licença social para operar

Atualizado por último em maio de 2023

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Hamilton Leite

Head da Brain Inteligência Estratégica em São Paulo

Licenciamentos para a implantação de novos empreendimentos são essenciais e corriqueiros na indústria imobiliária, que detém grande expertise nessas atividades. Seus profissionais precisam dominar os complexos e burocráticos processos nas esferas municipais, estaduais e federais, nas concessionárias de serviços públicos, nos cartórios de registro de imóveis, nos órgãos ambientais e de preservação do patrimônio histórico.

Porém, independentemente do licenciamento formal, o setor também precisa conquistar aqueles que vivem no entorno do empreendimento, de tal forma que se estabeleça uma relação de confiança entre as partes, para uma aliança em prol da comunidade, da cidade e do sucesso do próprio empreendimento.

Existe um conceito que foi identificado pela primeira vez em 1997 por James Cooney, um executivo da indústria mineradora Norte Americana, que hoje é conhecido como "Licença Social para Operar" (LSO). Este conceito surgiu quando as empresas daquele setor começaram a enfrentar dificuldades na gestão dos riscos políticos, econômicos e sociais em torno da implantação de novos projetos de mineração.

A LSO é uma percepção da comunidade sobre a aceitabilidade de uma empresa e suas operações locais1, que pode dar ou recusar seu apoio a um empreendimento novo ou existente. Ela é portanto um elemento complementar aos mecanismos formais de licenciamento.

Robert Boutilier e Ian Thomson1 definem quatro níveis mensuráveis de LSO, representados na figura abaixo, que foi traduzida e elaborada por Franco, Sampaio e Almeida2. A LSO mais baixa está relacionada a um risco maior para o empreendimento, e pode implicar na "perda da licença". O nível maior de LSO representa a aceitação e a identificação por parte dos stakeholders envolvidos de forma direta ou indireta com a operação do empreendimento, que pode ser uma mineração, uma indústria, um shopping center ou um condomínio.

A licença social para operar pode ser alcançada através de quatro estágios bem definidos: 1) Legitimidade Econômica: percepção dos benefícios econômicos que a empresa traz à comunidade; 2) Legitimidade Sociopolítica: percepção de que a empresa contribui para o bem-estar da população da região e respeita seu modo de vida, atende às expectativas sobre seu papel na sociedade e age de forma justa, pelo ponto de vista das partes interessadas (stakeholders); 3) Confiança nas Interações: percepção de que os gestores da empresa escutam, respondem, cumprem promessas, dialogam e demonstram reciprocidade; e 4) Confiança Institucional: percepção de que as relações entre as partes interessadas (por exemplo, as organizações representantes das comunidades) e a empresa são baseadas em zelo duradouro pelo interesse da outra parte.

No Brasil, algumas empresas já identificaram este risco e sistematizaram processos para mensuração do nível da LSO percebida pelos stakeholders e dependendo da situação, elas desencadeiam ações para melhorar o relacionamento com os habitantes do entorno.

No entanto tais iniciativas ainda caminham timidamente, pois os empreendedores já despendem muita energia para dar conta das aprovações legais que, quando obtidas, geram a falsa sensação de que ninguém mais pode contestar os direitos adquiridos.

Afinal, tais direitos deveriam ser incontestáveis, já que todos os atos da sociedade precisam estar contidos dentro da moldura legal sancionada, para que haja a necessária segurança jurídica para todas as partes interessadas. Porém, o fato é que as aprovações oficiais não garantem a conclusão de empreendimentos.

Quando as comunidades entendem que as regras de uso e ocupação do território onde vivem não são adequadas, ela deveria propor as mudanças desejadas nas leis, pelas vias democráticas estabelecidas. E enquanto as mudanças não ocorrem, deveria valer o que determinam as regras em vigor.

Em artigo publicado na revista Harvard Business Review 3, Michael Porter e Mark Kramer afirmaram que “O sistema capitalista está sitiado. Nos últimos anos, a atividade empresarial tem sido cada vez mais vista como uma das principais causas de problemas sociais, ambientais e econômicos. É generalizada a percepção de que a empresa prospera à custa da comunidade que a cerca.” e este juízo coletivo parece ser ainda mais exacerbado em relação ao setor imobiliário. Eles indicam que “a solução está no princípio do valor compartilhado, que envolve a geração de valor econômico, de forma a criar também valor para a sociedade. É preciso reconectar o sucesso da empresa ao progresso social.”

É inegável que a produção imobiliária é imprescindível, traz progresso e cria empregos e valor para a sociedade. O que seria das cidades, sem moradias, escritórios, hotéis, ou centros comerciais?

Inúmeros são os casos no Brasil de disputas entre incorporadoras e comunidades vizinhas, relativas à execução de novas obras. E estes conflitos representam riscos para o negócio e decorrem da percepção, cada vez maior por parte das empresas, dos custos a eles associados (Franks et al., 2014 4).

Nos EUA, os grupos locais que tentam obstruir um novo desenvolvimento imobiliário são conhecidos como NIMBYs, do acrônimo inglês “not in my backyard”, ou em português, não no meu quintal, e eles são conhecidos no Reino Unido como BANANAs "build absolutely nothing, anywhere, near anyone", que em português significa: construa absolutamente nada, em nenhum lugar, perto de ninguém.

Como reação a esse fenômeno, foi desenvolvido um programa estruturado pelo National Charrette Institute5, onde arquitetos, representantes da incorporadora, do governo local, moradores da região e outros interessados se reúnem durante a fase de elaboração dos projetos. Nessas reuniões, sem preconceitos e calçados no espírito público que deve nortear essas ações, todos os participantes têm a chance de conhecer os detalhes do projeto e colocar suas sugestões, que sempre que possível, são absorvidas pelo empreendedor. Tais encontros têm ainda o propósito de promover um ambiente propício para o estreitamento das relações interpessoais, que geram confiança mútua, credibilidade e um sentimento de co-propriedade.

Outro instrumento útil para os empresários é a pesquisa qualitativa com os stakeholders. Neste modelo, que pode ser realizado através de entrevistas individuais e/ou grupos de foco, o projeto é apresentado aos participantes, que debatem e colocam suas considerações e opiniões sobre o empreendimento proposto. Assim, os responsáveis pelo negócio, podem identificar o nível da LSO, as possíveis dificuldades, as falhas na comunicação com a comunidade e ainda aproveitar insights e sugestões construtivas levantadas durante as sessões.

Segundo Smits, Van Leeuwen e Van Tatenhov6, resultados de entrevistas com grupos de interesse relacionados a licença social para operar, podem inclusive influenciar positivamente os reguladores e legisladores, que definem os marcos legais para os licenciamentos.

Esse tipo de estratégia deveria fazer parte dos processos das empresas de desenvolvimento imobiliário, não só como instrumento para minimizar riscos na implantação de seus projetos, mas também como uma maneira de iniciar vínculos duradouros entre a população local e os futuros proprietários dos imóveis que ali serão produzidos.

Tem se tornado cada vez mais frequentes movimentos de oposição à implantação de empreendimentos imobiliários, especialmente em relação aqueles de maior porte ou aqueles que tenham questões mais sensíveis relacionadas ao meio ambiente ou ao patrimônio histórico ou ainda, aqueles localizados em regiões com histórico de conflitos. Neste sentido, Prno7 relaciona 5 orientações que as empresas devem considerar para superar as circunstâncias complexas que caracterizam esses projetos: (1) O contexto é fundamental para cada caso analisado; (2) A licença social para operar é construída sobre o relacionamento entre as partes; (3) A agenda da sustentabilidade é frequentemente demandada pelos stakeholders; (4) A provisão de benefícios locais por parte das empresas e a participação pública são cruciais; e (5) A adaptabilidade é necessária para lidar com os cenários dinâmicos destes projetos.

Se as empresas do setor forem capazes de tratar este tema de modo planejado e profissional, utilizando as ferramentas aqui mencionadas, a postura “NIMBY” será abandonada e a atitude “VEENHA” (venha empreender em nossos hospitaleiros arredores) será mais praticada!

*Head São Paulo da Brain Inteligência Estratégica e Mestre em Engenharia Civil e Urbana pela Escola Politécnica da USP. Maio/2023

 

1. The Social License: The Story of the San Cristobal Mine - 1st Edition. https://www.routledge.com/The-Social-License-The-Story-of-the-San-Cristobal-Mine/Boutilier-Thomson/p/book/9781138579699.

2. Franco, C. A. A., Sampaio, C. D. C. & Almeida, M. R. R. e. LICENÇA SOCIAL PARA OPERAR E IMPACTOS AMBIENTAIS: UMA REVISÃO DE LITERATURA. RGSA 13, 60–78 (2020).

3. Creating Shared Value - Article - Faculty & Research - Harvard Business School. https://www.hbs.edu/faculty/Pages/item.aspx?num=39071.

4. Franks, D. M. et al. Conflict translates environmental and social risk into business costs. Proc Natl Acad Sci USA 111, 7576–7581 (2014).

5. About Us - National Charrette Institute. https://www.canr.msu.edu/nci/about/.

6. Smits, C. C. A., van Leeuwen, J. & van Tatenhove, J. P. M. Oil and gas development in Greenland: A social license to operate, trust and legitimacy in environmental governance. Resources Policy 53, 109–116 (2017).

7.        Prno, J. An analysis of factors leading to the establishment of a social licence to operate in the mining industry. Resources Policy 38, 577–590 (2013).

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