Atualizado por último em dezembro de 2022
Especialista em Incorporação Imobiliária e Diretor de novos negócios na Invespark
Escassez global é o termo usado para expressar a queda da oferta de produtos gerada primeiro pela pandemia do COVID e mais recentemente pela guerra entre Rússia e Ucrânia. O resultado não poderia ser outro senão a pressão inflacionária de forma geral, inclusive e fortemente sobre os insumos da construção civil.
Na tentativa de refrear o aumento de preços, as taxas básicas de juros vêm sofrendo aumento pelo mundo afora. Nos Estados Unidos, por exemplo, a taxa de juros para financiamento de um imóvel em 30 anos escalou da casa dos 3% ao ano para quase 7% durante 2022.
E aqui no Brasil não tem sido nada diferente. A Selic acumulou um aumento de 11% nos últimos 16 meses, saindo da casa dos 3% ao ano no começo de 2021 para quase 14% neste ano.
O aumento dos juros gera um impacto imediato na aquisição de imóveis. Para exemplificar, num imóvel de quinhentos mil reais para ser pago em 30 anos, cada ponto percentual aumenta quatrocentos reais na parcela mensal. Resumidamente isto significa que o número de famílias que tem condições de adquirir um imóvel diminui inversamente ao aumento dos juros.
Bom, se um cidadão não consegue comprar um imóvel para sua família, como ele faz para viver? Invariavelmente ele cairá em uma das seguintes alternativas: coabitar um imóvel com outra família, ocupar um imóvel cedido, habitar uma moradia irregular ou alugar um espaço para morar.
Nesta última opção que entra o chamado residencial multifamily. Este é o nome dado para os imóveis que têm diversas unidades habitacionais, mas que são registrados sob uma única matrícula e que se prestam exclusivamente para o aluguel.
Este modelo, que nasceu nos Estados Unidos, por lá serve basicamente para três usos: estudantil para os estudantes de faculdades; sênior, para cidadãos da terceira idade, e acessível para famílias de baixa renda.
Segundo a NAREIT1, National Association of Real Estate Investment Trusts, ao final de 2021 este modelo representava 18% do mercado de locação americano, somando um total de 3,8 trilhões de dólares anuais.
Fonte: National Association of Real Estate Investment Trusts (NAREIT)
Já no Brasil, segundo o censo do IBGE2 de 2019, o porcentual era de 18% dos domicílios alugados, sendo 13,7 milhões em um total de 70,7 milhões de moradias. Numa conta grosseira, tomando o preço médio do aluguel medido pela FipeZap+3, que em agosto de 2022 chegou ao valor de R$ 35,37/m², o nosso mercado de aluguel beira os 400 bilhões de reais por ano. Dolarizando essa conta, este valor representa cerca de pífios 2% do mercado americano.
Dado este comparativo de tamanho e considerando que os estados brasileiros apresentam uma dispersão muito grande do índice de locação, enquanto nos mais ricos como São Paulo chegam a 25% de moradias alugadas, outros como Piauí e Maranhão têm menos de 9%, há indubitavelmente uma grande oportunidade para o aumento da participação do aluguel no país.
Nesse sentido, a inciativa mais ousada é a Luggo, empresa do grupo MRV dedicada a construir imóveis exclusivamente para locação justamente no modelo de multifamily. No final de 2021, a companhia vendeu essa subsidiária ao fundo canadense Brookfield, numa operação de 1,26 bilhão de reais.
Os fundos americanos especializados nesta modalidade, Paladin Realty Partners e RBR Asset Management, que têm vasto track record em seu país de origem, já se posicionaram no mercado de alta renda de São Paulo, com unidades já alugadas e projetos em desenvolvimento, além de mirarem a aquisição de empreendimentos performados.
O movimento destas instituições, especialmente por terem sua origem em países onde tal formato de locação é consolidado, é um forte indicador do potencial que o mercado brasileiro tem para desenvolvimento e crescimento.
Abre-se também a possibilidade de outros tipos de empreendimentos em modelos mais disruptivos, como, por exemplo, aqueles destinados ao aluguel social para famílias de renda muito baixa, onde os empreendedores podem levantar os prédios para esse fim através de recursos subsidiados pelo governo.
Entretanto, há o desafio financeiro para tornar os empreendimentos viáveis. A grande necessidade de caixa deverá ser o limitador para expansão rápida do modelo. Por outro lado, haverá grandes oportunidades para os investidores institucionais, já que o mercado de locação residencial é altamente pulverizado e praticamente inexplorado pelos fundos de investimentos.
Essa modalidade de funding pode permitir que empresas de porte menor possam viabilizar o multifamily e assim aumentar a participação deste no mercado.
Enfim, acredito que estamos vendo apenas o engatinhar do que será um enorme segmento do mercado imobiliário no Brasil.
Erick Takada é graduado em Engenharia Civil pela Universidade Estadual de Londrina e especialista em Incorporação Imobiliária, passou por empresas como a A.Yoshii e MRV no mercado de Curitiba e Klabin Segall, Setin, PDG e Tecnisa em São Paulo. Hoje atua como diretor de novos negócios na Invespark, além de integrar a diretoria da ADEMI-PR.
*O conteúdo expresso neste texto não necessariamente reflete a opinião da Brain Inteligência Estratégica.