Atualizado por último em outubro de 2022
Fundador e coordenador do Movimento Reação Urbana.
No artigo anterior, A Outorga Onerosa e o Mercado Imobiliário: Herói ou Vilão?, vimos que cada Município brasileiro tem uma forma distinta de operacionalizar esse instrumento de política urbana. Uma característica comum, entretanto, consiste em prever a sua aplicação em zonas urbanas que possam ser adensadas em virtude da oferta de infraestrutura urbana, equipamentos e espaços públicos qualificados que, por terem estas características, interessem ao Mercado Imobiliário explorar. Vimos também que a Outorga Onerosa flutua com a dinâmica do Mercado Imobiliário e da Construção Civil e vem sendo aplicada pelas Administrações Públicas de forma a buscar a captação dos interesses do Mercado Imobiliário a fim de torná-lo uma fonte de recursos mais efetiva a ser empregada em ações urbanísticas, sociais e ambientais, necessárias e/ou desejáveis pelo planejamento urbano local.
No entanto, o instrumento da Outorga Onerosa, por si só, não oferece as garantias necessárias de que os recursos auferidos pela comercialização pública de potencial construtivo, serão efetivamente empregados aos propósitos desejados em ações urbanísticas, sociais e ambientais, necessárias e/ou desejáveis pelo planejamento urbano local , tampouco que tenham alguma relação territorial destes propósitos com os lotes que foram objeto de captação desses recursos extras, o que seria de se esperar, partindo-se da ideia coerente de se promover um ciclo virtuoso.
É neste cenário de fragilidades da Outorga Onerosa que a Operação Urbana Consorciada (OUC) ganha sua importância. A Operação Urbana Consorciada, assim como a Outorga Onerosa, é um instrumento urbanístico classificado como instituto jurídico e político pelo art. 4 do Estatuto da Cidade (BRASIL, 2001), e definido no art. 32 deste mesmo dispositivo legal como “o conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar em uma área transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e valorização ambiental”.
Para se promover uma OUC, o município deve aprovar uma legislação municipal específica, baseada em seu Plano Diretor e delimitar área(s) para aplicação deste instrumento, mediante um plano que deve estabelecer critérios e medidas para a eventual: modificação de índices e características de parcelamento, uso e ocupação do solo e subsolo; alterações das normas edilícias; regularização de construções, reformas ou ampliações executadas em desacordo com a legislação vigente; concessão de incentivos visando a redução de impactos ambientais, entre outras. Para tanto, este plano deverá conter minimamente: a definição da área a ser atingida pela OUC; o programa básico de ocupação da área; o programa de atendimento econômico e social para a população diretamente afetada pela operação; as finalidades da operação; o estudo prévio de impacto de vizinhança; a contrapartida a ser exigida dos proprietários, usuários permanentes e investidores privados em virtude dos benefícios futuros prospectados pelo plano; a forma de controle da operação, bem como a natureza dos incentivos a serem concedidos aos agentes privados que pretendem explorar o Mercado Imobiliário neste território.
As OUC possuem 5 (cinco) características fundamentais. A primeira é que, diferentemente do que ocorre na Outorga Onerosa, onde os interessados em construir além dos parâmetros urbanísticos básicos (coeficiente de aproveitamento, pavimentos extras, novos usos), faça-se a aquisição desse direito a partir da compra de potencial construtivo diretamente no balcão da prefeitura, na OUC, tal direito ocorre mediante aquisição de CEPAC (Certificados de Potencial Adicional de Construção), que são títulos de valores mobiliários emitidos pelas prefeituras, que podem ser adquiridos por meio de leilões na bolsa de valores, através de regras e fiscalização da CVM (Comissão de Valores Mobiliários). A segunda é que o CEPAC, diferentemente da compra de potencial da Outorga Onerosa que se caracteriza como uma autorização temporária, renovável mediante novo pagamento, perdurará até a sua utilização formal ao propósito que se destina. A terceira, e mais importante para o sucesso desse instrumento, é que todo os recursos adquiridos pela venda de CEPAC deverá ser, obrigatoriamente, aplicada dentro do território definido pelo perímetro da operação, procurando garantir que as transformações pretendidas pelo plano sejam alcançadas. A quarta refere-se também ao CEPAC, que só poderá ser utilizados dentro do território definido pelo perímetro da operação, não sendo admitida sua utilização em outro local da cidade. A quinta é que uma vez iniciada uma OUC, os parâmetros urbanísticos da área de intervenção, independente do zoneamento que estiverem, serão definidos exclusivamente pelos estabelecidos pelo novo plano de ocupação e uso do solo e poderão, a critério de um conselho gestor, preferencialmente formado por agentes públicos e privados, ser alterados e aprimorados ao longo do processo de transformação sem a revogação da Lei que a estabeleceu.
Puerto Madero – Uma das primeiras OUC da América do Sul (1989). Conversão de Antiga área portuária da cidade de Buenos Aires que ficou obsoleta na década de 1910 (quando surgiram os grandes cargueiros), em um novo Bairro multiuso e turístico.
Fonte: https://aguiarbuenosaires.com/puerto-madero-a-noite/
Até aqui, vimos que a OUC se trata de um robusto instrumento de planejamento, produção e gestão territorial urbanos que procura viabilizar econômica e financeiramente intervenções de transformação urbanística por meio da articulação de interesses público-privados. Atualmente, algumas capitais brasileiras Belo Horizonte, Brasília, Campo Grande, Cuiabá, Curitiba, Fortaleza, Goiânia, Natal, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo possuem OUC em curso. Entretanto, nem todas estas operações podem ser consideradas exitosas pois, recai sobre grande parte delas, a crítica de serem ineficazes quanto ao princípio de ‘garantia do direito à cidade’, bem como de ‘privilegiarem os interesses privados em detrimento dos públicos’. Outro ponto ainda obscuro, mas sanável em médio prazo, é o fato dessa robustez exigir competência técnica que muitas prefeituras não possuem seja: para a concepção do projeto que irá orientar a OUC; para a construção do arcabouço legal que deverá ampará-la; para desenvolver todo o processo necessário para a implementação da operação; para conduzir a operacionalização do instrumento; e especialmente para a necessária e veloz aplicação dos recursos ao território correspondente, sem a qual se interrompe o interesse do Mercado Imobiliário em investir nele. Mal aplicado, este instrumento, em vez de promover a dinâmica no processo de transformação urbana desejado, será seu algoz, travando por completo o desenvolvimento do território objeto da operação.
Um dos grandes desafios a ser superado para o avanço das OUC no Brasil, refere-se à falta de instrumentos de rearranjo fundiário (reconfiguração da estrutura fundiária) na legislação urbanística federal, em especial àquelas que permitem intervir em terrenos com várias propriedades com distintos proprietários. Um passo importante para sanar esta fragilidade foi dado em 2017, pelo então Senador Airton Sandoval, ao propor o Projeto de Lei n.º 57 (BRASIL, 2017) com a finalidade de incorporar o Reparcelamento – assunto a ser tratado no próximo artigo – às Operações Urbanas Consorciadas (OUC). Segundo justificativa do Senador, “a proposta de alteração aperfeiçoa o modelo institucional das OUC, que financiam obras e investimentos necessários para a recuperação de áreas degradadas, sem a necessidade de onerar o orçamento público.” Resumidamente, essa proposta de Lei tem por finalidade permitir que os proprietários de terrenos que serão afetados por OUC possam participar voluntariamente do processo, através de um contrato firmado entre as partes envolvidas (Entidade de Propósito Específico), podendo delegá-lo à gestão da Administração Pública ou a uma empresa privada (Sociedade de Propósito Específico ou Fundo de Investimento Imobiliário) por meio de Concessão.
Diagnóstico Sócio Territorial do Perímetro de Intervenção Urbana Vila Olímpia – OUC Faria Lima
Fonte: OUC Faria Lima, 2º Reunião Extraordinária do Grupo de Gestão, em 22 de maio de 2018. Lei nº 13. 769 (SÃO PAULO, 2004).
Um exemplo do bom uso desse instrumento pode ser observado na Operação Urbana Consorciada Faria Lima, Lei nº 11.732 (SÃO PAULO, 1995), que teve os recursos auferidos pela venda de CEPAC investidos nas principais intervenções previstas pela operação, tais como: construção dos túneis jornalista Fernando Vieira de Mello e Max Feffer; prolongamento da Avenida Hélio Pellegrino; implantação de avenida duplicada no eixo formado pela Rua Funchal e Rua Haroldo Veloso; reconversão urbana do Largo da Batata/Terminal Capri (Fase 1); e, habitações de interesse social. Tais intervenções foram fundamentais para que houvesse o interesse do Mercado Imobiliário em atuar neste território.
Concluindo, sugiro para quem tiver interesse em se aprofundar no conhecimento das OUC no Brasil e/ou em cidades Latino-americanas, acessar o site do Lincoln Institute of Land Policy, mais especificamente o Programa para a América Latina e o Caribe que apoia pesquisas e oferece cursos gratuitos (online e presenciais) nas áreas de: captura de valor; tributação de propriedade, avaliações e cadastros; projetos de requalificação urbana em grande escala; informalidade, regularização e mercado de terras; análise de mercados de terras urbanas; dimensões legais da política fundiária; e alterações climáticas.
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