Atualizado por último em junho de 2022
Diretor Executivo e Sócio Fundador na Guima Arquitetos Associados
A questão da segurança é sempre um item indispensável na compra ou locação de um imóvel. As pessoas precisam se sentir seguras para viver com tranquilidade. É comum vermos famílias se mudarem de determinada vizinhança por sofrerem algum tipo de violência ou pelo simples fato de sentirem um aumento nos índices de violência na região onde moram.
É sabido, porém, que essa é uma questão complexa, que envolve, entre outras, questões sociais e policiais, sendo, portanto, também de difícil diagnóstico e solução. Entretanto, dentro desse fenômeno causado por vários fatores, falaremos hoje sobre um deles: como o ambiente urbano pode influenciar diretamente essa questão da segurança e de que maneira.
Se pensarmos que todo espaço urbano tem um ambiente articulador principal, a rua, fica fácil imaginar que ela é o principal valor dentro dessa equação. E a rua diz muito de um bairro, de uma cidade. Em uma primeira percepção, podemos apontar o próprio sentimento que ela nos causa. De um lado existem ruas que simplesmente evitamos (a qualquer hora, de qualquer dia), já por outro lado, outras ruas são tão agradáveis, que valem um desvio no caminho para casa só para desfrutá-la, nem que seja pelo curto espaço de tempo que a transitaremos. Por que isso acontece?
A paisagem urbana e sua qualidade influencia o comportamento e a percepção das pessoas. Sendo assim, espaços urbanos convidativos atraem as pessoas; já os espaços, quando ocupados e usufruídos pelas pessoas, tornam-se naturalmente mais seguros por seu próprio uso. Por exemplo, uma rua de entre muros de condomínios, ou mesmo com prédios degradados e abandonados, com pouca iluminação, raramente será usada por pedestres, servindo mais para o trânsito de carros, o que a deixará mais deserta e isso a tornará insegura. E isso é fato, pois existem inúmeros estudos que demonstram que os malfeitores preferem ambientes ermos, preferencialmente onde a vítima transite sozinha e com pouca iluminação, pois isso favorece sua ação e dificulta seu reconhecimento. É o oposto de uma rua vibrante, com comércios, serviços e moradias, por onde muitas pessoas transitam a pé em todas as direções. Isso estimula a formação do conceito de vizinhança, onde uns conhecem (ou pelo menos sabem quem são) os outros e portanto mais seguras, uma vez que um tipo suspeito seria mais facilmente detectável.
Jane Jacobs, no final dos anos 1960, em seu livro “Morte e Vida de Grandes Cidades”, que aliás, continua atualíssimo, expôs isso com clareza ao descrever a crescente insegurança advinda dos grandes empreendimentos que implantavam em New Yok City, expulsando a vizinhança outrora reconhecida entre si e trazendo impessoalidade àquela região, que não mais reconhecia os seus no novo cenário urbano implantado, fenômeno esse conhecido como gentrificação. Hoje em dia, o próprio urbanismo vem trazendo esse tema à pauta quando se torna participativo e passa a discutir a cidade e suas regiões com a população local, estimulando a volta do pensamento comunitário.
O urbanismo tem influência direta nisso pelo desenho urbano, que pode favorecer essa interação entre as pessoas ofertando espaços na escala do pedestre, com vegetação que ofereça sombreamento e paisagismo agradável, estimulando o caminhar. E aqui existem uma série de outros fatores que contribuem para isso, como ritmo, escala, brevidade de percursos, estímulo à curiosidade natural das pessoas, entre outros. Essas qualidades vão contribuir diretamente para a expansão do mercado imobiliário local, uma vez que criam endereços desejados, ruas onde as pessoas querem estar, morar e trabalhar e, portanto, propensas ao desenvolvimento imobiliário. E esse conceito de desenho urbano vale tanto para novos loteamentos que nascem, quanto para a requalificação urbana de tecidos degradados da cidade.
Outra influência direta do urbanismo está na legislação, que regulamenta o que e onde cada diferente uso e ocupação podem ser implantados numa cidade. E aqui muitas vezes o mercado se depara com restrições que impedem o pleno desenvolvimento dessas regiões, causadas por legislações ainda oriundas do modernismo (fase do urbanismo da primeira metade do século XX, que ainda é referência no Brasil), que setorizam a cidade e impedem a coexistência de algumas atividades. Felizmente, com o advento da Lei Federal de 10.257 de 2001, denominada como Estatuto da Cidade, as cidades começaram, obrigatoriamente, a refletir sobre seu território, e ainda que muito vagarosamente, vêm se atualizando. O mercado imobiliário tem sido muito importante nessa etapa, pois, a partir da implantação do processo participativo pelos municípios, passou a ter uma atuação mais incisiva nas mudanças de legislação trazendo sua visão desenvolvimentista para as cidades. Do mesmo modo quando um município dá abertura para o mercado propor alterações, que beneficiam diretamente uma determinada região. E aí o equilíbrio entre o público e o privado deve ser estabelecido.
Enfim, a influência do urbanismo na segurança é um assunto extenso e que vem sendo resgatado aos poucos tanto nas discussões do setor público, quanto no setor privado e em suas discussões mútuas. Entretanto precisamos estimular cada vez mais o uso dessas questões no dia a dia das cidades e seu desenvolvimento e requalificação urbanos para que tanto o poder público quanto o mercado imobiliário, cada um na sua função, possam criar cidades mais seguras e agradáveis para se viver.
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